A linguagem ameaçadora dos Estados Unidos contra a Turquia

O lóbi evangelista na administração americana e os reflexos deste lóbi nas relações turco-americanas. A análise do Dr. Cemil Dogaç Ipek, catedrático do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Ataturk.

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A linguagem ameaçadora dos Estados Unidos contra a Turquia

A ameaça de sanções por parte do presidente Donald Trump dos Estados Unidos, bem como do seu vice-presidente Mike Pence, devido à detenção do clérigo americano Andrew Brunson na Turquia, pôs novamente à vista de todos a realidade do evangelismo nos Estados Unidos. No nosso programa desta semana, vamos analisar o lóbi evangelista na administração americana e os reflexos deste lóbi nas relações turco-americanas, segundo a análise do Dr. Cemil Dogaç Ipek.

O clérigo americano Andrew Craig Brunson foi detido em 2 016 na Turquia, sob as acusações de espionagem e de crimes a favor das organizações terroristas FETO e PKK. Nos últimos dias, a prisão de Brunson passou ao regime de prisão domiciliária, devido aos seus problemas de saúde. Perante esta situação, e ao mais alto nível, surgiram declarações dos Estados Unidos ameaçando a Turquia com sanções.

A primeira declaração veio do vice-presidente americano, Mike Pence, e foi seguida por outra do presidente Trump. Ambas ameaçaram a Turquia com amplas sanções, no caso de Brunson não ser libertado. Brunson é um missionário evangelista. Por este motivo, o caso de Brunson, para além de ser político, também tem um fundo “teo-político”. A administração americana determina a sua política com base na orientação dos evangelistas, que votam como um bloco.

Os evangelistas (os sionistas cristãos, a forma como são frequentemente vistos pela opinião pública), através de Mike Pence e de outros membros da Casa Branca, têm uma forte influência na administração americana. Os evangelistas, cujo número alcança os 20 milhões só nos Estados Unidos, têm força para influir nas decisões de quase 100 milhões de pessoas. Nos últimos anos, gastaram milhões de dólares para que Israel pudesse ampliar os seus territórios. Apoiaram a migração de milhões de judeus russos para Israel, bem como dos judeus da Etiópia e de muitos outros países. Doaram milhões de dólares para a construção de novas casas nos territórios ocupados da Palestina, para que lá pudessem viver os novos colonos judeus.

É significativo o facto deste assunto ter sido relacionado com a questão de Brunson, por parte de Dan Hummel, um jornalista do Washington Post. Segundo Hummel “a linguagem usada por Pence, ao mesmo tempo que revela a relação entre os Estados Unidos e Israel na Casa Branca, é também uma linguagem diferente, que revela uma continuidade histórica”. Mas Pence não é a única pessoa a tentar convencer Trump, das coisas que os evangelistas consideram como sendo uma profecia que está na Tora. Há evangelistas radicais, que têm uma grande influência sobre a administração Trump.

Os sionistas radicais e os evangelistas em Israel, representam uma questão crítica com as suas alegações de que os restos do I e II templo judeus, estão debaixo da Mesquita de al-Aqsa, o terceiro lugar mais sagrado do islão. Segundo a opinião evangelista, o novo templo judeu será construído no mesmo local dos antigos templos judeus. Os evangelistas alegam que isto vai acontecer, de acordo com a profecia na Tora. E ainda segundo eles, quando o novo templo for terminado, acontecerá a segunda vinda de Jesus Cristo.

Os evangelistas ficaram muito contentes, quando os Estados Unidos reconheceram Jerusalém como a capital de Israel. E desde então, começaram a fazer preparativos para a guerra do Armagedão. Pedem continuamente este tipo de coisas à administração americana. Segundo eles, Jesus Cristo regressará e deixará tudo em ordem.

Depois da morte de Dajjal e dos bárbaros, sendo que uma parte deles são russos, e sendo Cristo o rei do mundo, com ele virá uma época de abundância e felicidade durante mil anos. De acordo com a crença dos evangelistas em tudo isto, eles sentem que é sua obrigação concretizar as profecias na Tora.

“É preciso unir de novo o antigo Grande Israel, para que Jesus Cristo possa regressar de novo à Terra, que terá que ser limpa dos outros hereges”.

Tudo isto parecem ser coisas realistas, ou pelo contrário, é uma loucura? Oxalá assim fosse, pois os evangelistas conseguiram uma forte capacidade para influenciar os Estados Unidos, através da posição de Mike Pence e de outros em Washington.

Por último, e apesar do presidente Trump não ser ele próprio muito evangelista, tenta no entanto satisfazer este grupo, que representa muitos votos. Mas o vice-presidente Mike Pence é totalmente evangelista. Ele dá importância a Brunson por causa das coisas em que ele acredita. E Trump, mais por motivos políticos, continua a lutar pela libertação de Brunson.

É absolutamente claro que todos estes desenvolvimentos não se coadunam com a negociação sincera entre os presidentes da Turquia e dos Estados Unidos, que teve lugar depois do dia 24 de junho, na Cimeira da NATO em Bruxelas. Segundo as informações divulgadas no ambiente político, o presidente Trump na realidade quer ultrapassar os problemas entre os dois países, estabelecendo uma relação direta com o presidente Erdogan. Mas em redor de Trump, há um círculo muito forte de evangelistas neocons. Ele usam todas as oportunidades que têm, e tentam impedir Trump de criar uma relação com Erdogan.

Por outro lado, e com a situação de Brunson, ficou clara a “a crise encoberta” que surgiu entre os Estados Unidos e a Turquia em muitas áreas. Com este novo desenvolvimento, pode-se aprofundar ainda mais a crise de confiança atual, e daí resultar uma crise ainda maior entre a Turquia e os Estados Unidos. Outro detalhe que emerge em relação a este ponto, é o facto da declaração de Trump ter surgido antes do encontro de Erdogan com os presidentes da Rússia e da China na África do Sul, país até onde Erdogan se deslocou para participar na reunião dos BRICS. Além disso, é preciso não ignorar a influência do pacote de crédito no valor de 3,6 mil milhões de dólares, obtido junto de instituições financeiras chinesas, e anunciado pelo ministro turco do Tesouro e das Finanças, Berat Albayrak.

No ponto a que chegaram as coisas, não seria difícil que a Turquia e os Estados Unidos iniciassem novos processos para resolver os problemas atuais, até porque este não é o primeiro acidente nas relações entre os dois países. Mas a continuação do uso de uma linguagem de ameaças por parte de Trump, só vai fortalecer ainda mais os sentimentos anti-americanos, que estão a crescer na Turquia desde 4 de julho de 2 003, devido aos acontecimentos de Suleymaniye. Até às eleições de novembro, a administração de Trump tem que manter sob controlo a carga e a pressão que os evangelistas exercem sobre as suas costas. Caso contrário, os Estados Unidos arriscam-se a perder o maior aliado que têm nesta região.

Esta foi a opinião sobre este assunto do Dr. Cemil Dogaç Ipek, catedrático do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Ataturk



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